Na seara tributária, sempre temos grandes lutas travadas entre contribuintes e o fisco, em quais, cada qual defende seu ponto de vista, de modo que como é sabido, do fisco o viés é sempre arrecadatório, ainda que, feria precipuamente direitos ou garantias individuais, e princípios basilares do Direito.
Ferir príncipios jurídicos basilares, é mais “grave” que ferir a própria lei, pois está afrontando o ordenamento jurídico como um todo, contudo, na visão de mundo do Fisco, vige a arrecadação por arrecadação.
Assim, diante deste embate o judiciário é chamado à dizer o direito no caso posto, no concreto, de modo que se resolva a lide apresentada; para tanto, uma das principais ferramentas é a hermenêutica (interpretação) juridica, das leis, da Constituição e dos princípios juridicos, que devem ser analisados como um todo, e não apenas como uma parte autônoma isolada no mundo do dever-ser (jurídico).
No que se refere à isenção do IPI pela Visão Monocular, se limitarmos à análise de uma lei tão somente (Lei do IPI), o direito à isenção pela Visão Monocular estaria fora com base da letra “fria” da Lei, porém, como já dito anteriormente, uma norma não reina sozinha no mundo do dever-ser, mas deve sempre ser analisada pela hermêutica de maneira sistemática, assim, uma norma jurídica se soma à outra para melhor fazer valer os direitos e os princípios jurídicos.
Diante disto, ao ser utilizar a interpretação sistemática das normas e dos princípios, combinando a Lei do IPI, com a Lei Federal do Monocular, Lei Brasileira dos Direitos das Pessoas com Deficiência, princípios da dignidade da pessoa humana, dentre outros, é inexorável a conclusão que à isenção do IPI se aplica ao possuidor de Visão Monocular, que é pessoa com deficiência sensorial visual.
Neste caminho é o recente entendimento do STJ, no Julgamento proferido no REsp n 2.185.814/RS, julgado em 22/04/2025:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISENÇÃO DE IPI NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO POR PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 1º, IV, § 1º, DA LEI 8.989/1995. HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÃO NA CNH. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VISÃO MONOCULAR. LEI 14.126/2021. DEFICIÊNCIA VISUAL PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTÊMICA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
- A Lei 8.989/1995 não faz qualquer exigência de restrição em relação à CNH do requerente de isenção do IPI na aquisição de veículos, bastando, para a concessão do benefício, a demonstração do quadro de deficiência, nos termos da lei. Precedente.
- O § 2º do art. 1º da Lei 8.989/1995, que definia os critérios para aferição da condição de deficiência visual para fins de isenção de IPI, foi expressamente revogado pela Lei 14.287/2021. Por outro lado, com a entrada em vigor da Lei 14.126/2021, há expressa previsão legal no sentido de se considerar a visão monocular como deficiência visual, para todos os efeitos legais.
- Deve ser conferida ao caso interpretação teleológica e sistêmica, no sentido de privilegiar a finalidade social da norma isentiva de IPI, para inclusão e maior garantia de direitos às pessoas com deficiência, aspecto humanitário do benefício fiscal. Com efeito, “a garantia da concessão da isenção do IPI incidente sobre a aquisição de veículo destinado à pessoa com deficiência é interpretada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de privilegiar a inclusão da pessoa com deficiência e não a restrição ao pleito ao benefício tributário” (AREsp n. 1.584.479, Ministro Francisco Falcão, DJe de 11/11/2019).
- A partir do cenário delineado pelas instâncias ordinárias, com a comprovação da visão monocular do recorrente, está devidamente demonstrada a condição de pessoa com deficiência visual, necessária para a concessão do benefício.
- Recurso especial provido.
(REsp n. 2.185.814/RS, relator Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 28/4/2025.)
À guisa de conclusão, podemos afirmar que atual jurisprudência do STJ, caminha para reconhecer sem sombra de dúvidas que o possuidor de Visão Monocular é PCD e, portanto, possui o Direito à isenção do IPI, no entanto, não significa que estas decisões possuem efeito vinculante à Receita Federal que ainda possui entendimento contrário a esta isenção.
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